Gentileza gera... Desconfiança?
Pessoal.
Há quase dois meses, após visitar uma Agência de Propaganda aqui de Ipanema, resolvi caminhar um pouco pra arejar a cuca. Enquanto caminhava pela Rua Visconde de Pirajá, observava o comportamento das pessoas, o que já é um hábito. Observo, mas não faço isso com olhar crítico, apenas como mero espectador do comportamento humano. Fico encantado em ver pessoas sorrindo assim, do nada, outras com o ar de preocupadas, algumas apressadas... Reparo o cotidiano e fico tentando imaginar, o que se passa na cabeça delas.
Durante a caminhada, passei em frente a uma famosa livraria, já eram mais ou menos quatro horas da tarde, resolvi entrar para tomar um café expresso. Entre uma xícara e outra, folheava alguns livros e acabei lendo um livro do Laerte Inteiro - "Deus Segundo Laerte"- e claro, recomendo.
Continuava ali, tomando café, lendo e claro, observando o comportamento das pessoas. Foi quando reparei um rapaz de mais ou menos uns 24 anos, o cara era uma mistura de Pit Boy com Geek, vasculhando os livros da sessão de Comunicação afoito como se procurasse o Santo Graal. Ele vasculhava a prateleira de cima a baixo, de um lado ao outro. Foi quando uma das atendentes da loja o abordou, perguntando se ele precisava de ajuda. Ele disse que procurava um livro do Rafael Sampaio, Propaganda de A a Z (recomendo muito). O Atendente disse que estava em falta, mas que haviam feito um novo pedido e os livros chegariam na próxima semana. O Rapaz frustrado, contou que precisava concluir um trabalho da faculdade e que não conseguira encontrar o livro em lugar nenhum.
Pensei – "Putz, que moleque sortudo." – e diante da frustração e total desespero acadêmico do rapaz, resolvi prestar auxílio, e lhe abordei – "Amigo, desculpe a Intromissão, mas não pude deixar de ouvir sua conversa com a atendente." – O rapaz me sacou de cima a baixo, com o olhar mais crítico do planeta e disse – "Fala ae."- Continuei – "Então, não pude deixar de perceber que, você tá todo enrolado pra entregar o trabalho da faculdade e tá precisando de um certo livro, pra sua sorte, eu tenho esse livro e posso te emprestar." – Mais uma vez fui fitado de cima a baixo – "Me emprestar? Você me emprestaria o seu livro, sem ao menos me conhecer?" – E eu com a cara mais natural do mundo – "Por que não? Vi que você tá precisando, eu tenho o livro te empresto e depois que você concluir o trabalho, me entrega." – Ele retrucou – "Mas quem te garante que eu vou devolver? Você nem me conhece. E se eu não te devolver?" – Eu já começando a imaginar que, ao invés de prestar uma gentileza, estava pedindo um favor lhe disse – "Amigo, se você não me devolver, será um problema entre você e a sua consciência. Fique com meu telefone e ligue amanhã para confirmar se vai pegar o livro comigo, ou não." – Ele já parecia mais amigável e disse – "Ok. Passa aí o número cara, to precisando mesmo, amanhã te ligo pra confirmar." – Após me agradecer, trocamos um aperto de mãos, ele se foi, e eu voltei para o meu "café com livros".
Bom, neste momento vocês devem estar indagando se ele telefonou, não é mesmo? É claro que não! Mas, ele ter ligado ou não, pouco importa. O que importa, são as perguntas que surgiram na minha cabeça após o episódio, pois como eu havia falado antes, sou um observador do comportamento humano.
Uma das perguntas, (a mais óbvia, é claro) foi -"Por que ele não telefonou?" – Só que refletindo um pouco mais sobre o assunto cheguei a uma encruzilhada e pensei –"Gentileza gera desconfiança?" – Então será isso?
Será que deixamos de acreditar que nós, podemos sim, ainda sermos generosos, gentis, prestativos e solidários às causas que a princípio, não são nossas?
Atrevo-me ir um pouco mais além. Estamos abertos a novas experiências? Refiro-me as experiências reais, de conhecer pessoas nas ruas, sem compromisso, sem flerte, só para viver simplesmente, uma nova experiência, e tentar restabelecer, esse elo de confiança e generosidade, que deveria nos manter unidos enquanto espécie.
Será que a resposta seria –"Quanto mais gentileza praticamos, mais propenso estamos a receber gentileza?" – Seria então, uma espécie de permissão? Quanto mais praticamos, mais nos permitimos receber? Se for isso, quem sabe, o fato de receber um gesto gentil não nos soaria tão estranho, pois saberíamos (sentiríamos) e estaríamos familiarizados com o que é gentileza. Simplesmente, por praticá-la.
PS.: Vamos torcer, para que o rapaz tenha conseguido tirar uma boa nota.


Excelente post amigo. Me faz pensar que o individualismo próprio da contemporaneidade, a auto umbilicalidade rumo à qual fixamente nos encaminhamos e pela qual estamos SEMPRE obcecados; a era do "onanismo social digital" ou "masturbação subhumana gadgetiana " a que cotidianamente nos submetemos, com nossos Ipods Nãopods, NerdsPhones - nós, irrevogavelmente autistas sociais digitais- todas estas "performances" promovem... desconfianças dirigidas às gentilezas...
ResponderExcluirAfinal, meu querido e especial Dami, precisamos aprender a fazer "escambo naif e pueril" da nossa solidariedade, ou reaprender as desbotadas semânticas da fraternidade...
Bacana seu gesto. Talvez você tenha germinado uma semente revolucionária, discreta mas fértil, na cabeça emaranhada e aflita do pitgeek .
PS: a propósito, talvez ele seja meu aluno, porque SEMPRE RECOMENDO "Propaganda de A a Z" do Rafael Sampaio;))
Beijos!
Graça...
ResponderExcluirVocê sempre tão querida e atenciosa.
Obrigado por nos enriquecer com seu comentário, que essa semente que brota de mim, germine através de pessoas maravilhosas como você.
Grande beijos.
Dami...
ResponderExcluirO pit boy na certa pensou que iria levar uma cantada..as pessoas não estão acostumadas com esse tipo de abordagem quando se trata de ajuda, uma gentileza e ficam na defensiva...problema dele se tirar 0!!! muito bom..
bjos Cris
Cris...
ResponderExcluirÓtima observação. Será que ele pensou que se tratava de uma cantada? De qualquer forma, se não levou um 0 no trabalho (que pode ter sido aplicado pela querida Graça do post acima) levou um 0 por homofobia.
Obrigado por enriquecer esse espaço que é construído com tanto carinho para pessoas queridas como você.
Excelente crônica cotidiana! Eu também costumo observar a distância o comportamento humano... certa tarde ao passar no pedágio da linha amarela estava tão feliz com um negócio fechado que resolvi pagar o pedágio do carro atrás do meu, apenas para observar. Sai lentamente com o carro e a menina "premiada" abaixou o vidro e disse com ar de desconfiança...: Você me conheçe ou me confundiu com alguém? E eu com sorriso no rosto respondi; não, estou muito feliz que decidi espalhar essa minha alegria... qual não foi minha surpresa, que a bela universitária disse: Obrigado, mas você deve estar maluco e arrancou com o carro!
ResponderExcluirGenial!
ResponderExcluirPrimeiro pelo aspecto humano - seu. Segundo pelo estímulo de negação - dele. Somos cada vez tão mais individuais socialmente, que a gentileza gera discórdia. Me chateia pensar, julgando pela leitura dele, que este será um futuro profissional de Comunicação. Profissão que exige se despir deste tipo medo.
Seguirei o caminho do empréstimo, como você. Quem quiser uma conversa, uma idéia, uma opinião minha pode pegar. E devolver fica a cargo da sua consciência.
Grande abraço Dami
@fredsandrini
Leo meu querido...
ResponderExcluirÉ disso que estou falando!
Tenho uma amiga que me chama de "Pequeno Mr. Sunshine." simplesmente pelo fato de sempre ue enxergar o lado bom das coisas. Mas são pessoas como você e tantos outros, que me fazem continuar acreditando que a vida é bacana, e claro, muito divertida.
Obrigado mais uma vez por sua generosa contribuição!
Fred...
ResponderExcluirObservando do ponto de vista da nossa profissão, é bem interessante ressaltar que uma das nossas "ferramentas criativas" mais poderosas é a observação e o contato com outras pessoas. Ainda que meros desconhecidos, não importa.
Obrigado por compartilhar conosco o sua valorosa opinião.
Grande Dami!!!
ResponderExcluirEm primeiro lugar meus parabéns pela simplicidade e objetividade de seu texto, quanto a gentileza gerar desconfiança pouco importa, o que importa de verdade foi seu gesto de solidariedade que só lhe trará o mesmo de volta ao menos esperar, pois quem pratica esse tipo de gesto não aguarda seu retorno!!!
Grande abraço
Olá,
ResponderExcluirum amigo, Conan, me indicou seu blog por conta deste post e eu fiquei muito feliz com a indicação.
Quanto ao acontecido, você analisou, em algum momento, qual seria a sua reação no lugar dele? Você ligaria? O que passaria pela sua cabeça? Acreditaria que o cara estava sendo gente boa e ponto? Marcaria de encontrar com o cara depois para pegar o livro?
Eu concordo plenamente com você quanto ao aspecto triste da gentileza gerar desconfiança, eu sou sempre uma pessoa muito gentil e prestativa, e encontro sempre a mesma resistência do outro lado.
Mas vamos trocar de lado... é triste, realmente muito triste, mas eu não abro a porta para dar um pacote de feijão a uma pessoa que bate me pedindo ajuda, antigamente eu fazia isso... eu não paro mais na rua para ajudar alguém que está com o carro parado a noite, antigamente eu faria isso... você se conhece, você sabe que só queria emprestar o livro a ele, mas ele não faz idéia de quem você é...
Isso me lembra uma citação:
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.” (Rui Barbosa)
e eu humildemente acrescentaria:
"a ter medo de acreditar no outro."
Dami,
ResponderExcluirMuito bom o seu Post e o “pit geek”, hehehe.
Uma vez eu li em algum site, (algo parecido com isso: ”A desconfiança esta sempre à procura de um motivo real onde se instalar, nem sempre precisa ser tão real assim, basta ser plausível”.
Infelizmente...
Sensacional seu texto Dami, bem espero que a máxima ''gentileza gera gentileza'' não tenha morrido e nunca morra em nossos corações, pois fazer algo por outro alguém sem esperar nada em troca é uma coisa tão pura e tão bela.
ResponderExcluirBjo meu querido.
Luiz, meu querido.
ResponderExcluirÉ mais ou menos por aí...
Se quisermos mudar alguma coisa de fato, que essa mudança parta de dentro de nós primeiro, refletida em boas atitudes...
É como cantavam os Titãs -"O Mundo é Bão Sebastião"
Abraços e obrigado pela rica contribuição.
Cris...
ResponderExcluirQue bela sua participação e comentário.
Então...como escrevi num dos pontos do texto
- "Uma das perguntas, (a mais óbvia, é claro) foi -"Por que ele não telefonou?" – Só que refletindo um pouco mais sobre o assunto cheguei a uma encruzilhada e pensei –"Gentileza gera desconfiança?" – Então será isso?"
Antes da pergunta que desencadeou o desfecho, diversas outras dúvidas surgiram na minha cabeça, e ainda irão surgir.
Como você mesmo comentou -"Antigamanete eu fazia isso" - Esse pode ser um dos pontos mais ricos do seu comentário, pelo simples fato de gerar uma outra pergunta - Em que ponto no tempo existiu uma pessoa que disse "PAREI! Cansei de ser gentil." Será que a desistência desse (ou desses) indivíduos não tenha desencadeado essa desconfiança, e pior, feito com que deixassem de semear gentileza?
Falo isso Cris, por experiência...sou um cara que sempre fui muito ajudado, principalmente por estranhos, e claro, estes se tornaram meus amigos e são até hoje. Ou seja, pode ter sido uma semente que eu plantei ou que plantaram...
É caro, que não estou iludido a ponto de enxergar o mundo da forma que ele está nos dias de hoje, e é claro que nosso primeiro sentimento, ou melhor, instinto sempre me avisa pra ter cuidado e, embora esse seja meu ponto de vista diante da vida, está longe de ser uma verdade absoluta, por isso o espaço sempre aberto para que todos coloquem suas observações.
Viu só que bacana? Olha só quanto temos o que conversar a respeito desse tema...por isso escrevo este Blog, para lhes mostrar um pouco do cotidiano através do meu ponto de vista, e claro, aprender a cada dia mais com todos vocês.
Beijos e obrigado por sua generosa contribuição.
Guido meu amigo....
ResponderExcluirSábias palavras...
Só observando que não podemos desistir de transformar esse nosso mundinho tão desacreditado, por uma boa parcela dos seus "inquilinos".
Day...
ResponderExcluirVocê sempre tão presente e generosa...
Acredito firmemente nessa máxima!
Obrigado por tudo, sempre!
Adorei o post!!! Excelente e Genial!!
ResponderExcluirE concordo que com o mundo que vivemos hoje até um simples bom dia dado por um desconhecido (o que as vezes ocorre comigo ao andar na rua, vindo sempre de um idoso) ja é motivo de desconfiança pelas pessoas. Mas acredito que essa desconfiança ocorre muito pelo fato de vivermos num mundo tão violento, onde pessoas costumam se aproveitar da boa indole e ingenuidade de alguns para fazer mal.
Porém não por essas poucas pessoas maldosas que devemos generalizar todos os seres humanos como pessoas de má indole. Afinal, ainda acredito que os bons são maioria!! :)